O dom da fé
Muita gente encara a fé como um estado absoluto, perene, imutável – uma questão de tudo ou nada.
Não é o meu caso, e já vou explicar por quê.
Mas, antes, sejamos francos: quem nunca duvidou da própria crença? Quem, mesmo com o coração ardendo de tanta devoção, nunca se perguntou: «Que Deus é este cuja misericórdia me sustenta? O que Ele quer de mim?»
Dirijo-me àqueles que, como eu, vieram de um lar católico e passaram boa parte da vida na companhia de padres, seminaristas, e ministros da Sagrada Eucaristia (menção honrosa à minha querida avó, uma senhora de 80 anos que já era ministra desde antes de eu nascer).
Pois bem. Cresci ouvindo essas pessoas dizerem com a mais firme convicção que somos salvos pela graça mediante a fé, que a vida dos justos está nas mãos de Deus e que a fé é um dom do Espírito Santo.
Quero meditar neste último ponto.
Se a fé é mesmo um dom, um dote espiritual vindo lá do alto, por que ele foi dado a algumas pessoas e não a outras? Por que eu mesmo não o recebi?
Bem. Na verdade, recebi, sim, mas de forma efêmera e um tanto quanto complicada, porque, quando vou à missa, todas essas dúvidas, todas essas questões existenciais cedem lugar à mais profunda paz de espírito.
Sim, dos ritos iniciais aos ritos finais, passando pela oração eucarística, tudo faz sentido para mim. Ali, naquele momento, eu creio sincera e verdadeiramente na Palavra do Senhor. Ali, diante da cruz, a minha entrega é total.
As dúvidas, porém, voltam a surgir logo que boto os pés para fora da igreja. E torno a me sentir meio frustrado, meio desencantado; torno a perder aquele êxtase, aquela reverência, como quem se vê livre do efeito de uma droga.
Eu talvez tenha nascido sem esse dom da fé, que em mim dura apenas o tempo de uma missa. Ou talvez a fé seja algo diferente do que a maioria dos fiéis diz que ela é (um modo de ser coercitivo, quase uma obrigação).
De todo modo, penso que esses deslizes são tão importantes para a crença quanto o esquecimento é para a memória: sem eles, nós nunca voltaríamos a ser quem sempre fomos. Sem eles, o filho pródigo não voltaria para os braços do Pai.



Excelente!